Resenha A última Carta - Rebecca Yarros
Quando terminei A Última Carta, de Rebecca Yarros, fechei o livro e fiquei em silêncio. Era como se eu tivesse vivido meses ao lado desses personagens, sentido cada dor, cada perda, cada recomeço. Poucas vezes uma leitura me destruiu tanto e, ao mesmo tempo, me deu tanto para pensar. Desde as primeiras páginas, percebi que não estava diante de um romance comum. A história é profunda, dolorosa, realista e, acima de tudo, humana. E escrever sobre ela exige um cuidado enorme, porque não se trata apenas de contar o enredo , é preciso falar da experiência que ele provoca.
A Última Carta começa com um militar marcado pela guerra. Beckett Gentry, conhecido como Caos, é um homem que já viu o pior do ser humano, perdeu a fé no amor e na própria humanidade. Sua vida é sustentada por dois pilares: a amizade com Ryan, seu companheiro de batalhão, e Bagunça, uma labradora militar que funciona como um sopro de vida no meio do caos. Essa cadela, aliás, é um dos meus personagens favoritos — ela representa lealdade, afeto e constância num cenário onde tudo é instável.
Do outro lado, em Telluride, no Colorado, está Ella. Ela é uma mãe solo de gêmeos, Maisie e Colt, administradora de um chalé herdado da família. Sua vida é uma sucessão de desafios: cuidar dos filhos, lidar com perdas, enfrentar uma doença grave que ameaça sua estabilidade emocional e financeira. Mesmo assim, ela mantém uma coragem impressionante. Desde o início, senti uma admiração imensa por Ella, por sua força e sua vulnerabilidade.
O que une Beckett e Ella no início não é um encontro físico, mas um vínculo construído à distância. A pedido de Ryan, Beckett começa a trocar cartas com Ella. E é nesse ponto que Rebecca Yarros constrói um dos elementos mais bonitos do livro. As cartas são íntimas, reais, cheias de confissões. Beckett compartilha a vida em zona de guerra, enquanto Ella fala sobre suas dores, suas esperanças e seus filhos. Aos poucos, eles passam a conhecer a alma um do outro sem nunca terem se visto.
Para mim, essa foi uma das partes mais emocionantes do livro. A troca de cartas não é apenas um recurso narrativo, mas uma metáfora sobre como vínculos genuínos podem nascer mesmo na distância, mesmo em tempos de dor. Ali, entre palavras e silêncios, eles encontram um refúgio. Essa construção lenta, feita de confiança e empatia, me conquistou.
Mas, como acontece em A Última Carta, nada é simples. Ryan morre em combate. Beckett se sente culpado por não ter conseguido salvá-lo. E então vem o pedido final: proteger Ella. A partir daí, a narrativa muda de tom. Beckett se muda para Telluride, mas decide manter sua identidade em segredo. Ele se aproxima dela como um desconhecido disposto a ajudar, mas sem revelar quem realmente é. Esse segredo é o coração do conflito do livro.
Enquanto isso, Ella continua lutando com sua vida, com a doença que ameaça seus filhos, com a administração do chalé, com as dores do passado e com o luto pelo irmão. Ela não sabe quem Beckett é de verdade, mas sente a presença dele como um porto seguro. Essa tensão entre proximidade e segredo vai crescendo, criando um suspense emocional que me fez virar as páginas sem parar.
Ella é, sem dúvida, o coração da história. Uma mãe solo que se desdobra para dar conta de tudo, que carrega cicatrizes invisíveis e que, mesmo assim, insiste em seguir em frente. Sua relação com os filhos é retratada de forma sensível, sem cair no estereótipo da mãe perfeita. Ela erra, se desespera, chora, mas continua. Foi impossível não me reconhecer em alguns dos seus questionamentos, mesmo não vivendo a mesma realidade.
Os gêmeos, Maisie e Colt, são outro destaque. Eles não são figurantes na história, mas personagens com voz, personalidade e impacto. São eles que humanizam ainda mais Ella, que colocam Beckett em situações de vulnerabilidade e que, de certa forma, trazem luz em meio à escuridão. Cada cena com as crianças me arrancava um sorriso ou uma lágrima.
Beckett, por sua vez, é um personagem complexo. Ele poderia ter sido idealizado como o soldado perfeito, mas Yarros lhe dá falhas, traumas e culpas reais. Sua lealdade e dedicação a Ella e às crianças são comoventes, mas seu segredo é uma bomba-relógio. O tempo todo, eu me perguntava: quando ela descobrir, será que vai perdoar? Ele merece perdão? Essa tensão é o motor da trama.
E há Bagunça. Essa cadela militar traz um sopro de humanidade, funciona quase como um fio condutor silencioso entre as dores dos personagens. Em meio a tantos traumas, ela representa constância, cuidado e um tipo de amor incondicional que só os animais são capazes de oferecer.
O tema mais forte de A Última Carta é o luto. Não só o luto pela morte, mas o luto por vidas que poderiam ter sido diferentes, por sonhos interrompidos, por futuros que não aconteceram. Yarros explora essa dor em várias camadas: a perda de um irmão, o abandono na infância, a doença que ameaça levar um filho. É um livro que fala sobre perdas de uma forma crua, mas também transformadora.
Outro tema central é o amor — mas não o amor romântico idealizado. É o amor construído na vulnerabilidade, o amor que nasce do cuidado, do compromisso, da persistência. É também um livro sobre segredos e verdades, sobre como mentiras podem ser justificadas por medo, mas inevitavelmente cobram seu preço.
Eu sabia que A Última Carta era um livro dramático, mas não estava preparada para o tamanho da devastação. Logo nas primeiras cinquenta páginas eu já estava chorando. E quando achei que tinha encontrado um momento de respiro, Rebecca Yarros lançou uma reviravolta que me deixou sem chão. É um livro que não poupa o leitor, e talvez seja isso que o torna tão marcante.
Ao mesmo tempo, ele também oferece momentos de esperança, de calor humano, de ternura. A relação de Beckett com os gêmeos, o jeito como Ella luta por sua família, as pequenas cenas do cotidiano no chalé, os gestos silenciosos de cuidado. Esses detalhes são o que impedem a narrativa de ser apenas sofrimento. Eles lembram que, mesmo no pior cenário, ainda existe espaço para o afeto.
Rebecca Yarros tem uma escrita envolvente, que mescla sensibilidade e brutalidade. Ela não tem medo de mostrar os aspectos mais feios da dor, mas também sabe construir cenas de amor e delicadeza. Sua narrativa é ágil, mesmo quando o enredo é pesado. Ela sabe criar personagens tridimensionais, com motivações complexas, e nos fazer torcer por eles mesmo quando erram.
Ler A Última Carta foi como entrar em uma montanha-russa emocional. Senti admiração profunda por Ella, carinho pelos gêmeos, respeito por Beckett e ternura por Bagunça. Sofri com cada perda, chorei em várias cenas, me revoltei em outras. Em alguns momentos, quis entrar no livro e chacoalhar os personagens para que fizessem escolhas diferentes. Mas, no final, entendi que tudo fazia parte do processo de construção dessa narrativa.
Apesar do drama, esse livro ganhou meu coração. Ele não é apenas sobre dor, mas também sobre resiliência. Não é apenas sobre perdas, mas também sobre recomeços. Os personagens são reais, enfrentam lutas que poderiam ser as nossas. É um livro que dilacera, mas também cura. E, depois de terminar, percebi que ele não sairá tão cedo da minha memória.
A Última Carta não é uma leitura leve. Ele trata de luto, doença grave, abandono e transtorno de estresse pós-traumático. Mas, exatamente por isso, é uma leitura necessária. Rebecca Yarros conseguiu criar uma história que vai além do romance dramático, entregando uma narrativa sobre humanidade, vulnerabilidade e a força dos vínculos.
Para mim, esse livro foi devastador, mas também transformador. É o tipo de leitura que te faz refletir sobre suas próprias perdas, seus próprios vínculos e sobre o valor do tempo. Ele me mostrou, mais uma vez, que a vida é feita de altos e baixos, de dores e amores, de despedidas e recomeços. E que, mesmo quando tudo parece perdido, ainda pode haver espaço para esperança.
Se eu pudesse definir A Última Carta em uma frase seria: um livro que arranca lágrimas, mas também deixa marcas bonitas. Recomendo para quem tem coragem de encarar uma história intensa, realista e profundamente emocional. Mas deixo um alerta: prepare-se. Esse livro não é só para ser lido; ele é para ser sentido.
0 comments